Gênesis - Parte I


            Quando o Paraíso caiu e todos foram julgados, apenas dois seres foram escolhidos. Um seria abençoado e evoluiria com os ensinamentos divinos; o outro seria condenado a crescer em meios às chamas...

***

            – Doutor Stanner me falou de você. – disse, avançando alguns passos da porta, a qual adentrara a pouco. – Falou que você era a dona deste lugar...
            Susan olhava-me severamente, apenas eu naquela sala ainda não a conhecia, mas, sob sua máscara, podia ver seu olhar fraterno, como um abraço acolhedor. Era tudo muito estranho. Não costumava ser tratada assim.
            – Logo a senhorita acostumar-se-á. – disse Flourbe.
            Que homem esquisito, pensei, ao que ele sorriu.
            – Você já conhece a todas suas companheiras, Marie? – perguntou Susan.
            – Sei o que elas me contaram.
            – E o que você sabe? – indagou ela.
           – Sei que Cláudia foi vítima de possessão... – olhei para a jovem que estava próxima à lareira e ela abriu um largo sorriso. – Catherine foi vítima de um idiota quando era criança. – ela estava ao meu lado direito, quieta, mas foi do meu lado esquerdo que ouvi um sussurro, o qual não consegui identificar.
            – E sobre a pessoa que te convenceu a vir para cá? – prosseguiu Susan.
            – Ângela não falou comigo depois daquele dia.
            – Ela tem estado ocupada nos últimos tempos. – disse Catherine.
         – Você conhece as histórias de minhas protegidas... – Susan moveu-se para mais próximo da lareira, seus movimentos eram rápidos, contudo, não perdiam a delicadeza. – Entretanto, você não sabe quem elas são...
        – O que você quer dizer? – olhei para Catherine e ela pousou sua mão em meu ombro.
            – Quero dizer que elas são diferentes como você.
          – O que você sabe sobre mim? – uma ira invadiu-me e corri em direção à Susan. Mas algo me puxou... Algo que não via... Debati-me contra o ar e senti-me livre... Continuei a avançar para aquela bela e pálida mulher... Minha ira aumentando cada vez mais... Como poderiam ser iguais a uma monstruosidade como eu?
            Quando pulei para atacar e mostrar a minha anfitriã do que era capaz, tudo mudou. Em fração de segundos, ela mostrou-me suas presas, seus olhos cor de sangue, e, segurando meu braço com apenas uma das mãos, arremessou-me para o outro lado da sala.
           – Agradeço por sua tentativa, Suzanne. – disse Susan, já perfeitamente recomposta.
           – O que foi isso? – perguntei, ainda meio tonta com meu impacto contra o chão.
         – Como já havia dito, – Susan veio até onde estava e estendeu-me a mão para ajudar-me a levantar. – somos diferentes, como você... Veja, Cláudia é uma entidade demoníaca, Catherine desenvolveu poderes mediúnicos para comunicar-se com sua irmã, Suzanne, que é uma entidade perdida...
            – Entidade perdida?
           – Sim. Ela não está presa a um tempo ou espaço como uma alma penada, nem foi condenada ao sofrimento demoníaco. É apenas uma vagante, que acompanha a irmã.
         – Você é uma vampira... – conclui. – Mas, e ele? – apontei para o velho homem sentado no sofá.
          – Senhor Flourbe tem a capacidade de ler pensamentos. Ele é um ótimo mentor. Você aprenderá muito com ele. – esclareceu Susan.
             – E quanto a doutor Stanner e Ângela?
            – Douglas Stanner é um humano normal e Ângela... Bem, você pode perguntar-lhe. Logo, ela estará de volta.

***

            A carruagem negra adentrou os portões de ferro ornados com pontas de lanças, era Ângela que voltara. Mas algo estava diferente àquela noite. O ar estava mais pesado que o normal e senti-me sendo observada por algo entre as sombras do jardim.
            – Marie... Marie... Marie, venha. Não fique nesse vento frio.
            Apesar das memórias de nosso encontro anterior, a voz de Ângela causava-me uma calmaria interior que era desconcertante.
            – Venha, entre.
            Segui em sua direção e entramos no grande salão.
            – O jantar aproxima-se. Vá preparar-se.

***

            Desci para a sala de jantar ao tocar da sineta. Lá estavam todos, incluindo doutor Stanner, com seu cabelo branco e olhar ardiloso. Ao seu lado, sentou-se uma mulher alva, com olhos de ébano e longos cabelos negros.
            – Quem é ela?
            – Agora não, Marie. – interceptou-me Flourbe.
            – Você de novo... – ele riu – Você deve ser tão velho quanto ele, não?
            Flourbe deu de ombros, voltando sua atenção para Susan.
            – Creio que, agora, estando todos reunidos, poderemos saborear os prazeres de momentos calorosos em família. – pronunciou-se a vampira, sentada à cabeceira da mesa.
            O jantar foi servido, em seguida, e comemos em meio a comentários sobre as viagens dos recém-chegados. Ao final, Susan despediu-se, mas ainda a vi falar com a mulher que acompanhava Stanner.

***

– A lua está bonita demais para você contemplar a grama. – não havia percebido, mas Ângela estava em pé ao meu lado no chafariz do jardim. – Você tem gostado de estar aqui?
– Me tratam bem.
– Só isso?
– Tem alguns com quem me entendo melhor e outros que não suporto.
– Como quem?
– Aquele velho que lê mentes.
Ângela riu.
– Ele não faz por mal. Dê-lhe uma chance. É um bom homem.
– Como você tem certeza?
– Nenhum de nós está livre de cometer erros. O que importa realmente é o peso dos erros e dos acertos na balança da justiça.
– Nossa! Que filosófico!
A mulher ao meu lado riu novamente. Seu riso era um suave tilintar de sinos.
– Ângela, quem era aquela mulher que chegou com doutor Stanner?
– Menina curiosa. – seus lábios ainda eram um leve sorriso – Você saberá, no devido tempo.
– Vocês são misteriosos demais.
Ela apenas sorriu.

Comentários

Segue a gente no Facebook ;)

Seguidores

Outros textos que você pode gostar