Floresta Negra - Parte III
Seguimos por uma trilha que
subia levemente e dava em uma clareira descampada. No centro havia uma pequena
casa de madeira, coberta com folhas secas das árvores próximas. Ao aproximarmo-nos,
a porta abriu-se, contudo ninguém saiu.
Cristine Lavreur entrou primeiro, seguida por nós. Diferentemente
de fora, o interior era amplo, a ponto de um desacostumado ou desavisado crer
que a parte interna da casa poderia equivaler a cinco daquela que vimos na
clareira.
Ela dirigiu-se para um armário alto à esquerda de uma
pequena janela por onde via-se a floresta. Esticando-se, pego algo que protegia
muito fortemente com as pequenas mãos, enquanto caminhava para uma mesa com
quatro cadeiras.
Nela colocou uma caixa de madeira ornada com runas antigas,
quase invisíveis a olho nu. Os olhos que
à noite veem; futuro, passado, presente retêm. De lá retirou um pano e,
estendendo-o sobre a mesa, revelou as velhas cartas de tarô.
Senhora Lavreur era baixa e morena, sua pele era
bronzeada, mesmo naquele local, e com um tom esverdeado de fundo. O olhar era
cauteloso, mas com toques de mistério. Alguém que desconfiava de tudo e de
todos.
Ela apontou a cadeira à sua frente e Susan sentou-se. Eu
e Flourbe permanecemos em pé.
– Mentalize quem você busca, menina, e corte as cartas. –
disse a bruxa e, em seguida, pegando o bolo que a vampira havia cortado, dispôs
as cartas em formato de cruz sobre a mesa.
Uma por uma, ela virou as cartas, passando levemente a
mão por sobre elas, como se as figuras lhe contassem algo. Por fim, olhou-nos.
– A viagem segue, minha menina... Não sei, ao certo, para
onde. Uma mancha não deixa as cartas chegarem ao que vocês desejam, mas sei
como posso reverter isso. Descansem, por hoje. – desse enquanto recolhia as
cartas da mesa e as guardava. E quando já ia retirar-se, virou-se e encarou-nos
profundamente. – Não importa o que ouçam, não saiam do local de descanso. Amanhã,
saberão o que for necessário para sua busca.
***
Novamente, arrumamo-nos para descansar no chão. O sono
seria algo que não nos acolheria aquela noite. O que ocorreria na casa não nos
deixaria adormecer. Seguimos o concelho de nossa anfitriã, contudo, eu não
precisava ver para saber o que ocorria. As forças que me cercavam e as sombras
que se fechavam em breu, os gritos seguidos de choro, resmungo e silêncio... Na
outra sala, por trás de uma parede de barro mal feita, a bruxa fazia seu
feitiço. Conjurando entidades que eu conhecia melhor do que ninguém ali. Fazendo
sua oferenda... O cheiro... Aquele cheiro ferroso, deliciava-me... Latrat, em
pessoa, veio aceitar a oferta. Antes de ir-se, olhou-me com um grande sorriso avermelhado.
***
Na manhã seguinte, senhora Lavreur mal deixou-nos saber o
que acontecera. Rapidamente, colocou o necessário em uma bolsa à tira colo e
empurrando-nos para fora da casa, disse:
– Vamos! Vamos, logo!
– E a senhora também vai? – perguntei como quem não
entendia, mas sabia que o demônio das prisões superiores da ala leste do
terceiro nível do inferno teria trazido informações que muito interessavam à
bruxa.
– Sim! – disse, entrando na floresta.
***
– Eles aproximam-se. – disse uma voz vinda das árvores à
minhas costas. – Chegarão a você em alguns dias.
– Deixe que venham. Irei levá-los onde querem. Já sabia
de sua vinda e de suas razões antes do seu aviso. Seu dever é avisar ao mestre
sobre os assuntos que ele o designou e não me vigiar. Vá, ser da floreta! –
disse, sem virar-me para olhá-lo.
***
– De onde estava era perfeito para observar os
forasteiros. Eles pernoitaram no território de Zark, o lobo, e partiram com o
raiar do dia... Cruzei o caminho deles e averiguei de perto, para não haver
erro. Uma mulher-demônio, um homem velho e uma igual ao senhor... Partiram, com
a bruxa, há poucos dias. – disse Ernëw ao esgueirar-se pelas sombras daquelas
ruínas.
– Muito bom, silvestre negro. Continue seu serviço e
parta para o próximo destino deles. Tenho quem guarde meu território, não
preciso de você aqui.
– E ela, mestre?
– Deixe-a com eles. – o lado direito
de um rosto saiu das sombras, revelando os olhos em um vermelho vivo e as
presas saltando-lhes da boca. – Ela sabe a quem ser fiel.
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