Um triste reencontro - Parte II
Era difícil seguir adiante.
Por mais que me esforçasse para manter-me firme, sabia que logo não mais
conseguiria disfarçar.
A luz guiava-nos para a porta seguinte. Para mais uma dor
crescente e uma protegida que me era tirada. Onde ele estaria? Certamente,
regozijava-se com o que me fazia...
– Entrem! – disse aquele ser horrendo que nos afundava em
tal pesar. – Neste, vocês terão outro anfitrião.
Percebi um sentimento naquela voz, a qual me fez pensar que
ele estaria sorrindo com tudo aquilo e com o que ainda estava por vir.
Entramos no quarto e a primeira coisa que ouvimos foi um
choro baixo, um grunhido de animal assustado. Era Marie... O local estava
escuro, mas ainda assim meus olhos acharam-na em um canto, encolhida sobre os
joelhos. Sua cabeça estava escondida pelos braços. Gotas de sangue manchavam
suas pernas nuas.
Havia mais alguém ali... Movi meu olhar pelo ambiente e
encontrei uma figura alta, forte e de aparência rude. Zark... Tinha que ser o cachorro leal de Bertrand, o lobisomem o
qual Richard havia encontrado na Floresta Negra.
O homem vestia short jeans rasgado, estava sem camisa e
segurava um trapo de pano na mão esquerda. Em seu rosto, um sorriso estampava
seus lábios, contrastando com os olhos vermelhos em fervor.
Ele acendeu a luz e todos puderam ver claramente o que
ocorrera. Os móveis estavam quebrados. Marie reagiu ao agressor como pode e por
quanto tempo pode. Olhei-a novamente e vi que seu ombro direito estava
deslocado. Acima do punho desse braço, o qual estava a mostra, existia uma
depressão, perceptível mesmo com o inchaço do local. Seu antebraço havia sido
esmagado.
Meu corpo moveu-se por instinto. Em meu íntimo, queria
acarinhar aquela menina. Mas meu movimento foi barrado por uma parede de luz
vermelha a qual surgiu em nossa frente.
Zark cruzou o quarto, aproximando-se de Marie. Meu corpo
queria atacar, estraçalhar aquele covarde, mas sentia o calor que aquela
barreira emanava toda vez em que me aproximava. Seria como fogo para mim...
Ele pegou Marie pelo braço machucado, suspendendo-a no
ar. A menina gritava de dor. O lobisomem jogou-a em direção ao meio do quarto.
Ela chocou-se com o chão com toda a violência. Ouvimos sons de ossos quebrando
e Marie contorceu-se.
Logo,
rápido como um piscar de olhos, Zark estava junto a ela. Ele abaixou-se e
colocou a mão direita sobre o peito nu da jovem. Suas garras rasgaram a carne
alva da garota e sua mão segurou algo. O som de ossos quebrando surgiu
novamente, ao mesmo tempo em que ele puxava o que havia encontrado... O coração
pulsante da garota... Ela desmaiou antes que ele conseguisse seu troféu.
Após
ter o órgão em suas mãos, Zark andou até a parede de luz que nos separava
daquela atrocidade e o levou à boca, arrancando-lhe um pedaço com os dentes,
enquanto nos olhava fixamente.
Meu
corpo tremia de pesar e raiva. Deseja o coração dele em uma bandeja. Sem
pensar, choquei meu punho contra a barreira e uma dor latente atingiu-me. Olhei
minha mão e nela havia um círculo vermelho-vivo. Aquela luz que nos impedia
queimou-me, como meu sexto sentido prevera.
– O
espetáculo deste cenário terminou. – disse a voz, surgindo à nossas costas. –
Prossigamos.
Flourbe
segurou-me pelo braço e me puxou levemente, retirando-me do quarto. Meu corpo
paralisado não se movia por si só... Ele irá tirar-me um a um... Será que lhe
doeu tanto assim o que fiz? Não, Bartholomeu Bertrand não sente dor... Aquele
monstro...
***
A porta seguinte abriu-se e a voz parecia vir de dentro
do quarto.
– Venha, meu troféu! Finalmente é chegada a hora da
troca.
Daemy não se movia e, percebendo isso, algo a puxou para
o interior do ambiente. Quando ela parou de mover-se, uma outra luz iluminou o
local. Uma luz branco-azulada... Nesse momento, foi possível ver Ângela em um
canto. Do seu lado, havia uma figura alta e que parecia carregar algo muito
largo nas costas. A anjo estava encolhida, como se sentisse frio. Seu rosto era
sereno, mas os olhos baixos mostravam que estava profundamente triste.
Girei a cabeça e vi a demônio, ao seu lado pude
distinguir um contorno negro-avermelhado. Esse parecia ainda mais alto e também
carregava algo largo em suas costas. Daemy seguia imóvel, seus olhos estavam
arregalados... Seu temor era evidente...
De repente, elas começaram a mover-se como se fossem
empurradas uma em direção à outra. Ao se encontrarem, foi possível ver que seus
olhares cruzaram-se e lágrimas escorreram-lhes pelos rostos... Era uma
despedida...
Meu peito apertou-se ainda mais, pude sentir a dor de
minhas companheiras. Algo ruim viria na sequência... O que seus opositores as
fariam, não sabia...
Quando Daemy aproximou-se da figura de luz
branco-azulada, ouvimos seu grito de dor, seus olhos foram queimados pela luz
angelical. Do lado oposto, Ângela tinha seu corpo transpassado por correntes e
os olhos arrancados pelo ser demoníaco que agora a possuía.
A troca havia sido feita... Agora pagariam o preço por
ter fugido de seus protetores. Era
terrível saber que cada uma daquelas irmãs conheceria na pele o que a outra
sofrera durante grande parte de sua existência. O sofrimento será eterno...
Tudo ficou escuro e a porta do quarto abriu-se novamente.
– Agora, vocês devem ir para a
biblioteca. Lá está quem mais procuram. – disse a voz daquele ser desprezível
que nos havia guiado por essa noite odiosa.
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