Um dia de chuva

                            Entremeios. xilogravura s/ monotipia, 51 x 39 cm. 2009. (Vermelho Xilo)
 



Da sua varanda conseguia ver o quintal do vizinho à frente. Havia árvores bem antigas espalhadas pelo terreno, de vários tipos que ela não saberia nomear. Em especial, havia um coqueiro. Ele a espiava através da varanda, como quem diz “Bom dia, vizinha!”. Ela retribuía, lançando olhares de volta. Ao lado do coqueiro existia uma mangueira que pertencia ao vizinho do vizinho. Apenas um muro baixo separava as duas árvores e os dois quintais.

Aquele dia chovia e isso a deixava mais melancólica do que costumeiramente era. Debruçou-se na varanda com a mão no queixo e começou a observar o diálogo botânico do quintal alheio. 

A mangueira era espaçosa, vaidosa, altiva e firme. Suas folhas bem verdes reuniam-se de forma organizada e em uma mesma direção, dando-lhe um aspecto arredondado e rechonchudo. A mangueira era misteriosa e parecia buscar constantemente esconder-se dentro de si mesma, encobrindo seu interior com uma infinidade de folhas verdes.

O coqueiro, por sua vez, era menor e curvado, um pouco corcunda, ela diria. Suas folhas bem flexíveis se estendiam de maneira desorganizada. Algumas folhas estavam secas, prestes a se desprenderem. Não havia mistérios: de longe era possível ver o centro do coqueiro, oferecendo seus frutos de peito aberto.

Ela percebeu que o coqueiro curvava-se em direção à mangueira, estendendo suas folhas por cima do muro. Seus troncos estavam há alguns metros de distância um do outro, mas algo curioso pode ser observado: suas folhas se tocavam.

As folhas do coqueiro eram compridas e extensas; a mangueira, arredondada, possuía apenas um galho que, destoando da harmonia polida das demais folhas, a deformava: era o galho que tocava o coqueiro. Ele se estendia como um braço tímido e discreto.

E chovia. As folhas das duas árvores estavam encharcadas e pesadas, mas permaneciam ali: juntas e molhadas. De mãos dadas, ou melhor, de “galhos dados” esperavam pacientemente a chuva passar. O vento as sacudia em várias direções, mas suas raízes bem fincadas no solo sabiam que nada lhes aconteceria, era apenas mais uma chuva. Ela viu quando um vento forte separou as duas árvores abruptamente. Cada uma sendo levada em uma direção diferente. A chuva engrossou e ela teve de se afastar um pouco da varanda.

A chuva continuava grossa, mas o vento havia diminuído sua intensidade. Deu mais uma espiadela antes de entrar em casa e pode ver que os galhos haviam voltado a se tocarem, mantendo o equilíbrio normal daqueles dois terrenos.


A grama do vizinho era mais verde? Não, mas era bonito de se ver.

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