A garota francesa - parte II


Aceitei o escuro do lugar, não precisava de luz. As tentativas de se esconder, a escuridão e a noite combinavam com nós duas, embora ela não soubesse. Sentei, equilibrando-me, sobre alguns pedaços de madeira mal jogados em um dos cantos do quarto.
– Como você faz isso?
– Algum dia, te ensino.
O silêncio pairava entre nós... Um silêncio aconchegante... Até mesmo, cumplice... Estava começando a vivenciar seus sentimentos...
– Você me trouxe até aqui para ficam em silêncio? – sua voz ganhava um tom de ansiedade disfarçada – Não foi você que disse que tinha interesse em mim?
– O.K.
– O.K. o quê?
– Conte-me sua história.
– Que história?
– A história da sua vida. Quando você percebeu que estava mudando... O que você sentiu... Como foi se dar conta de quem ou do que você é... Esse tipo de coisa...
– Você não quer saber isso...
– Conte-me!
– Certo. – respondeu ela, a contragosto – Tudo começou quando completei 16 anos. Aquela noite tornou-se inesquecível. Eu estava com alguns amigos, acampando. Um deles era o garoto mais gato da escola. Eu o olhava e lembrava-me dos filmes americanos. Aqueles que sempre tem o garoto super-popular, que todas as garotas amam e que, no final do filme, se mostra um babaca. Mas ele era diferente... Tudo bem... Ele era super-popular, mas não jogava no time de basquete, nem tinha uma namorada loira supérflua – na verdade, ele nem tinha namorada, e ele, definitivamente, não era idiota. Ele era, simplesmente, o cara mais nerd da sala. Não aquele que todo mundo imagina. Ele era alto, magro, de cabelo escuro e olhos castanhos. Usava óculos, com uma armação superleve e de cor azul escuro...
– Eu finalmente consegui conversar com ele àquela noite... – continuou – Teve um momento em que nos afastamos dos outros e ficamos à sós. Nossa conversa estava cada vez mais interessante. Até que, em uma fração de segundos, nossos olhares se fixaram e nossos corpos agiam como imãs que se atraem desesperadamente. Mas, de repente, comecei a sentir algo estranho... Agindo contra nosso imã, comecei a correr... Tive medo de que o que estava fosse por causa das bebidas que ingeri... Me sentiria pior se tivesse vomitado em cima dele... Pelo menos era isso que eu pensava na época...
– Fui para casa, tomei um remédio e deitei, torcendo para que aquilo passasse. – Suas feições agora mudavam. Era um misto de raiva e dor. – O remédio começou a fazer efeito e eu dormi. Acordei, no meio da noite, com a minha pele formigando. Meus olhos ardiam, como se tivessem colocado molho de pimenta neles. Foi aí que tudo começou a acontecer... Senti uma dor terrível em meus ossos e minha cabeça latejava tanto que pensei que iria morrer. Meu coração batia tão forte que se tornava difícil respirar... Jurava que era o meu fim... Então, do nada, tudo parou e eu dormi de cansaço. Quando acordei, estava nua. A roupa que estava usando na noite anterior havia virado frangalhos... Isso voltou a acontecer durante os dois meses seguintes.
– Foi somente na quarta vez que tomei coragem e abri meus olhos... – sua voz ainda era pesada, mas era menos sofrida, indicando que já tinha começado a entender seu fardo. – Vi minhas mãos... Não acreditei... Naquela época não tinha caído a ficha... Eu achava que era um sonho, daqueles tão terríveis, que te deixa atordoada... Liguei a luz do quarto, o que me causou uma profunda e dolorida pontada nos olhos. Venci o incomodo e olhei-me no espelho... Você sabe exatamente o que vi...
– Sei. – respondi, enquanto me levantava. – Agora, pegue o que acha importante. Deixe tudo o que for desnecessário. Tudo o que possa te rastrear... O sol irá nascer em uma hora e devemos pegar o primeiro trem.
– Para onde vamos?
      – Você verá.

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