Gênesis - Parte III
–
Marie? – perguntou Catherine. – Você tem estado muito quieta. Algum problema?
– Não... Nenhum...
Problema
para os outros...
– Suzanne, não aja assim!
– O que foi?
– Apenas minha irmã fazendo
comentários inapropriados...
– Não consigo fugir dos olhos dela
também?
– Como assim? O que você quer dizer?
Suzanne riu tão alto que foi
possível eu ouvir. Era um som muito baixo de risos, como se estivessem
distantes de mim. Eu também sorri.
– Sabe, – disse – esta é a primeira
vez que consigo sorrir quando estou nesta situação...
– Que situação?
– Acho que você só reparou por causa
de nossa convivência...
– Conte-me logo, Marie!
Engoli as frases que tentava criar
para explicar... Sou fraca...
– Marie, diga algo! – a voz de
Catherine cortou o silêncio que havia se formado, atravessando meus ouvidos e
me causando contrações involuntárias, como se eu estivesse dentro de um enorme
sino que badalava. Levei as mãos aos ouvidos.
Ouvi ela aproximando-se e o seu
toque, por mais leve e carinhoso que fosse, parecia facas sendo fincadas em
minha pele.
– Marie, você está tremendo!
– Seria bom que eu ficasse sozinha.
– consegui balbuciar.
Senti um movimento diferente, como
um vento forte, aproximando-se de mim pelas costas. Pela primeira vez, senti
Suzanne perto de mim. Ela não era como eu a imaginava. Pela pressão que senti,
ela é uns quinze centímetros mais alta que a irmã e mais corpulenta também. Não
é gorda, mas tem pernas grossas e braços ágeis.
– Pensei que você fosse mais baixa.
– O quê? – perguntou Catherine, sem
entender.
O riso de Suzanne causou vibrações
no ar.
– Depois ela te explica. – disse a
Catherine. – Agora, preciso descansar.
– Mas...
Deixe
a filhote de lobo descansar.
Catherine levantou-se do meu lado e
saiu.
***
Interessante
como as folhas ficam mais verdes depois da lua cheia... Pensei comigo, sem
perceber a chegada de Ângela.
– Tudo bem?
Acenei, com a cabeça, que sim.
– Ouvi barulhos vindos do seu quarto
ontem. Você machucou-se?
– Não... Na verdade, não mais do que
o de costume. – sorri.
– Que bom que, agora, você está bem.
– Uhum. – balbuciei concordando. – E
você, como está? Aquilo tem acontecido de novo?
– Aquilo? – Ângela estranhou a
pergunta.
– Naquele dia, você não era você...
– Ah... Isso... Você quer
entender...
– Seria bom que eu soubesse de
algumas coisas... Tenho me comportado bem... Ontem, nem destruí todo o
quarto...
A mulher loira ao meu lado riu.
– Está bem. Venha ao meu quarto,
mais tarde.
***
Era fim de tarde, quando me
aproximei da porta à esquerda do corredor do segundo andar. Mal posicionei-me a
sua frente, ela abriu-se e um aroma de lavanda saiu de dentro do quarto,
atacando minhas narinas. Entrei. A mulher loira, agora vestida totalmente de
branco, estava sentada em uma poltrona larga perto da janela, do outro lado do
quarto. Ela indicou-me um assento próximo ao seu. Sentei-me.
O quarto era branco, com mobília
clara e boa iluminação. Era algo aterrador para minha mente...
– Você está curiosa sobre minha
história e sobre aquela moça que esteve aqui antes de Susan sair de viagem. –
Ângela olhou-me inquieta, senti que sua pulsação mudara, ela estava prestes a
fazer algo que não gostava.
– Você conhece o Gênesis? –
continuou ela, ao que afirmei sim com
a cabeça. O aroma ainda me atordoava. – Então, não preciso contar-lhe de meus
pais... Sim, Adão e Eva... Os humanos do paraíso... Enfim, - disse ela
retomando o fio de consciência perdido – quando houve o episódio do fruto e da
condenação, nós estávamos lá. Éramos recém-nascidas.
– Sim, meu amor, somos irmãs... – disse uma voz sedutora que saia dos
lábios de Ângela, mas que não era dela. Era a mesma voz que já havia ouvido
antes.
Ela retomou o sentido e continuou:
– Os enviados divinos massacraram o
local e, por fim, nos acharam. Por sermos duas, fomos enviadas uma para cada
destino, para sermos símbolo vivo do pecado. Eu fui levada pelos anjos e minha
irmã foi jogada aos demônios.
Estava sem reação. Isso não era
contado em nenhum livro teológico que tive oportunidade de ler naquela casa.
– Você me conhece por Ângela e
chamam minha irmã de Daemy, mas esses não são nossos nomes.
– Não temos nomes... Nunca tivemos. Eu era conhecida como “Troféu da
vitória” e ela, “Fruto do pecado”...
– Quando descobrimos quem éramos e
decidimos viver juntas e com os humanos, escolhemos esses nomes para nunca nos
esquecermos como foram nossos anos entre angelus
e daemons.
– O.K. Isso explica muita coisa. –
concluí. – Mas como vocês fazem isso?
– Isso o quê? – perguntou Ângela.
– Conseguimos dividir e compartilhar nossa existência. – esclareceu
Daemy. – Assim, não nos separarão nunca
mais.
– E podemos compartilhar nossas
experiências, o que ajuda a entender as atitudes humanas.
– Mas se vocês são filhas dos
primeiros humanos, por que não são humanas também?
– Quando fomos levadas para nossos destinos, nos foram dados, digamos
que, privilégios para convivermos em nossos cárceres.
– Ou seja, somos humanos especiais
ou angelicais, como você queira.
– Você é angelical, – disse – mas a
outra não.
– Não se esqueça que demônios são
anjos que caíram.
– Prefiro dizer, que se libertaram. – a moça olhou-me piscando um
olho.
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