A floresta amaldiçoada - Parte I



            Chegamos a uma nova cidade e, depois de pernoitar em uma pousada simples, contudo, altamente confortável para nossos corpos cansados de dias de acampamento, em meio à floresta, e de longas caminhadas e viagens. O alimento que nos deram também muito agradou ao gosto daqueles, entre nós, que comiam.
            Após longo banho e sono recompensador, acordamos com o espirito revigorado para seguirmos à estação, onde às dez horas daquela manhã, o novo trem ao qual embarcaríamos partiria, agora, rumo à costa do Pacífico.
            Sem atrasos, o apito anunciou o fim do embarque e seguimos viagem. Foram longos dias por entre aqueles vagões... Presos por aqueles corredores...
            Passei boa parte da viagem em nosso camarote. Não me sentia totalmente bem para transitar por aqueles locais apertados, com odores dos mais variados... Temia pelos pobres coitados que não saberiam o que lhes ocorrera.
            Fora uma viagem longa e tediosa, devido a minha situação. Como não me atrevia a sair, consumi todo o estoque que havia levado para a viagem. Isso tornará o retorno difícil. Uma voz risonha invadiu minha mente, era Daemy que se divertia à sua maneira. Olhei-a por um instante e voltei meu olhar para o livro em minhas pernas.

***

            “Cheguei, em 10 de setembro de 1950, as fronteiras de uma floresta, em seu lado leste. Era chamada Floresta Negra.
            Passei uma semana em uma aldeia esquecida. Vasculhei todas as casas em vão. Segui para a última da esquerda, pouco antes de a noite cair. Era uma habitação ampla, com três divisões, a primeira não possuía nada, igual as outras moradias do local; na segunda havia vasos de cerâmica sobre prateleiras moldadas em pedra. Nesses potes, além de poeira, havia restos de farinha, e, em um canto, restos de carne seca e ossos que aparentavam ser de algum animal local. Não parei para supor a quem pertencia aquela ossada e, logo, segui para o terceiro cômodo. Lá o piso de pedra sumia e havia riscos nas paredes, muito semelhantes a arranhões. Unhas humanas não fariam aquilo... Não posso ficar aqui... Já abusei de minha sorte.”

***

            Finalmente chegamos ao litoral. Era preciso correr para que não perdêssemos o navio. Os emissários do trem haviam calculado mal o tempo de viagem e por pouco não tivemos que aguardar a próxima embarcação. Algo que nos atrasaria mais que o conveniente.
            Fomos os últimos a embarcar e, quando recuperamos o folego, já se perdia de vista o porto do qual zarpamos. A cidade que havíamos deixado para trás era muito bonita, com suas construções exóticas. Quando partimos, ela estava sendo engolida por um sol laranja-avermelhado. Um lindíssimo quadro...
            Foi difícil encontrar nossa habitação. O navio estava superlotado e não havia ninguém que se prontificasse a ajudar-nos. Por fim, localizamos nosso camarote, contudo, ele já havia sido ocupado por um jovem rapaz loiro e alto. Seus olhos verdes eram confiantes...
            Flourbe quis iniciar um debate, mas eu e Daemy opusemo-nos. O homem olhou-me e imediatamente compreendeu o que se passava em minha mente. Muito educadamente, expliquei ao rapaz que o local era nosso, contudo, poderíamos compartilhá-lo com ele.
            O jovem olhou-nos cauteloso e, após alguns minutos, falou algo em sua língua, acenando um sim com a cabeça.
            Entramos e tomamos nossas camas. Estávamos cansados e não conversaríamos, por hora.
            Vocês entenderam o que ele disse? – forcei meu pensamento na tentativa de alcançar meus alvos.
            Floube acenou um não, mas a voz de Daemy esclareceu-nos:
            O loirinho abusado disse que preferia ter a companhia apenas das mulheres, mas seria melhor ficar protegido da corja com um homem do que ficar no meio dela.
            Passamos a noite em silêncio, ora descansando, ora vigiando nosso novo companheiro.
            Quando amanheceu, Daemy instigou o jovem sobre o que acontecia no navio e por quê haviam tantos passageiros. A demônio falava o dialeto do rapaz, o que inicialmente assustou-o, mas ela mantinha a postura segura e, em certos momentos, até sedutora, que ele logo cedeu. Sua conversa demorou horas. Tudo o que ela pode conseguir de informação adveio dele.
            Depois ela veio até onde estávamos e nos contou o essencial.
            – O povo da cidade está fugindo de uma doença desconhecida que está alastrando a região. Falam que várias são as causas, mas não se sabe como é transmitido e nem de onde vem. Os sintomas são poucos e letais, um dia a vítima amanhece indisposta, no outro, melhora e, logo, morre. Todos que estão aqui tentam fugir da doença.
            Daemy olhou-me e sua voz invadiu minha mente... Um ótimo cenário para você. O medo deles não a denunciará... Respondi-lhe que não era do meu feitio aproveitar-me da fraqueza dos outros.
            Aquela noite, o jovem loiro aproximou-se de mim, junto a janela. Daemy deu-me um sinal de que ele estava interessado em mim. Então, sutilmente sugeri para que ficássemos um pouco à sós. Ele, esquecendo-se de seu receio, aceitou pronto.
            Caminhamos até finalmente encontrar um local com pouca iluminação e afastado da multidão dos corredores. Acariciei-lhe o braço e o peito. Subi minha mão para seu rosto, olhando-o bem nos olhos. Logo era ele quem beijava-me fervorosamente. Deixei-o se perder e, quando estava totalmente imerso em sua entrega, saciei-me.
            Gritos ecoavam pelos corredores, na manhã seguinte. Suplicas, choros e uníssonos de orações. Não, ninguém o conhecia... Ninguém sabia quem era... Mas o medo é devastador... Haviam encontrado-o. Assim como encontraram muitos outros nos dias seguintes.

***

            Desembarcamos e seguimos o caminho para mais um trem. Enquanto o carro em que estávamos corria pelas ruas da cidade, tentávamos conversar sobre o que viria, mas não obtivemos sucesso... Senhora Lavreur não pronunciava palavra.
            Nosso transporte estacionou e descemos. Flourbe seguiu à bilheteria para retirar nossos bilhetes. Nós três o aguardamos observando os trens que partiam. Somente quando ele voltou, foi que a bruxa começou a falar:
            – A necromante vive ao final da estrada que passa pela floresta...
            – Que floreta será que enfrentaremos agora? – perguntei.
            – Aokigahara... A Floresta dos Mortos. – ela falou com um olhar compenetrado. – Nunca saiam da trilha...
            – Por que uma necromante viveria isolada em meio aos mortos? – indaguei.
            – Essa não é a floresta que se você tiver algum peso no coração, você será induzido a suicidar-se? – questionou Daemy, passando-se por inocente.
            – Sim! – disse a bruxa, seguindo pela plataforma em direção ao próximo trem.
            – Se você respeita os mortos e aprende com eles, viver em meios aos cadáveres é uma dádiva. – esclareceu-me Flourbe. – Esse é o fardo de quem escolhe a necromancia.
            Embarcamos no trem e esperamos silenciosos a chegada ao nosso novo destino. Lá fora, a paisagem mesclava construções e verde, plantações de arroz e arquitetura típica. Ao nosso redor, os passageiros olhavam-nos, reconhecendo que éramos estrangeiros.

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