O passado cerca-nos - Parte II
Chegamos
a casa. A mesma casa que me levou a Susan anos antes. Lembranças doces e
amargas cercam-me. Como seria se aquela insolente não me houvesse desafiado?
Por que ela fez-me ter esse interesse tão repentino, tão obsessivo? Nenhuma
noiva havia-me feito sentir isso... Amor... Insignificância humana, isso sim...
Seu sangue agradara-me mais do que qualquer outro... Sim, o sangue da jovem
Susan Harks... Ainda o saboreio em meus lábios... Quando fiz surgir sua verdade
escondida, percebi... Não... Ela é minha, eu a possuo, é só isso... O olhar
sanguinário dela fez com que a quisesse obcessivamente... Apenas isso... Um
olhar meigo e cuidadoso e um animal ensandecido...
– Zark ronda a casa nas alas leste e sul, senhor. – disse
um jovem magro e loiro, tirando-me de meus devaneios.
– Ótimo! Esperemos... – respondi – A essa altura a anja
já sabe que estamos aqui e deve ter avisado a Susan. Logo ela há de
regressar... E, verme, diga ao lobo que aproveite para observar ele sabe o quê.
Agora, saia da minha frente!
***
– Sente algo estranho no ar? Ou sou apenas eu? –
perguntou Marie.
– O que você fareja? – indaguei.
– Há um cheiro agridoce no ar, muito leve. Parece que
está sendo escondido por um cheiro típico de cachorro molhado.
– Você não tomou chuva, tomou? – brinquei. Não queria
agir sem certezas.
– Não tem graça! – reagiu Marie.
– Desculpe-me! – redimi-me – Vou ampliar minha
vigilância. Tudo bem?
– Não! Pode deixar comigo! Vou ficar de olho e te aviso
se algo mudar.
– Conto com você! – sorri. E quando ela saiu... –
Suzanne, fique de olho nela, por favor!
Babá de lobo...
Eu sorri e prossegui com mais instruções:
– E peça a Catherinne que cuide de nossa hospede.
Saí da biblioteca e segui para a sala, queria ver se
Cláudia já havia voltado de sua ronda. Ela e Suzanne deveria intercalar as
rondas e a vigia de Marie.
Quando cheguei ao recinto, ela acabava de entrar.
– No sul, algo se move pelas árvores. Deve ter chegado
agora, porque parece que está encontrando onde se acomodar. – ela riu. – No
oeste, não percebi nada de estranho.
– Grata, Cláudia. Mais tarde será a vez de Suzanne e você
cuidará de Marie. Ela está inquieta com os odores novos... Espero que Suzanne
consiga ir mais longe que você...
– Enquanto eles não se instalarem completamente, nós
poderemos fazer rondas menos apreensivas e mais distanciadas umas das outras.
– Sim, mas creio que não teremos mais muito tempo de
folga.
– Cuidado! Não demonstre sua apreensão.
– Sim! – esbocei um sorriso. – Você está certa.
Deixamos a sala e segui pelos corredores e escadas
daquela casa onde tudo começou. As paredes, o piso, as estátuas, tudo revelava
o passado... Entrei em meu quarto.
***
– Acharam o que foram buscar?
Sim. Ela está
conosco agora.
– Sim. Posso vê-la. Ela permite-me. O que houve a outra?
Pagou sua dívida...
– Apenas os que não sabem do que eles são capazes arriscam-se
tanto em pactos como o que ela fez.
A coitada em nada
conhecia seus algozes. Daemy deleitava-se.
Uma serva de dois
reis, era isso que Cristine Lavreur era. A voz da necromante prendia a
concentração da demônio, mas deixava o canal de comunicação aberto para que eu
também pudesse ouvi-la. A bruxa dos sete
reinos, assim a chamavam. Era fiel a quem melhor pagava e mais ainda a quem a
deixava agir de seu jeito. Há anos tornara-se serva de Bertrand, mas também
agia à suas costas. Foi isso que ocorreu. O pacto que fez para achar-me
custou-lhe um pagamento de suas dívidas anteriores, todas de uma única vez...
Bartholomeu já deve ter recebido a notícia. Assim como já deve saber que estou
com vocês. Isso se seu espião elfo não errou o caminho... Ela riu,
liberando Daemy de sua atenção e desligando-se de nosso elo.
– Como ela fez isso?
Não sei. A
demônio deu de ombros. Há algo mais que
queira falar?
– Algo me aflige...
Ele está aí? Já o
viu?
– Não... Ao menos, eu creio.
Seu coração diz-me
tudo o que viu e sentiu...
– Eu sei... Marie farejou algo...
Provavelmente Zark
está à espreita.
– Quem?
Aliado do
vampirão... Um como nossa filhote...
– Isso explica as reações de Marie.
Não está acostumada
com outros de sua espécie! – dissemos juntas e Daemy prosseguiu. – Acreditamos que ele já começou a agir e, se
ainda não chegou, logo chegará.
– Espero que não ataquem antes que vocês regressem...
Seria terrível para Susan.
Estamos
a caminho, o mais rápido possível.
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