Um triste reencontro - Parte I
Finalmente, vislumbramos os
portões negros de nosso lar. Estava ansiosa por chegar, pois há dias não
tínhamos notícias de casa. Apesar de todos os esforços de Daemy, Ângela não a
respondia. O último contato que tivemos fora quando a anja nos informou de que
os servos de nosso inimigo estavam cercando o local... O lobo e sua matilha de
um lado e elfos negros do outro.
A necromante havia-nos confirmado que quem nos seguiu,
durante toda nossa viagem, fora um elfo das montanhas isoladas do norte gelado.
Um dos aliados de Bertrand, que agora já devia ter alcançado seu mestre e
esperava nossa chegada.
Paramos em frente ao portão. Tudo estava quieto. Daemy,
que estava sentada ao meu lado, ficou tensa. Ela sentia algo que não
sentíamos... Flourbe e Lishva também estavam quietos... O motorista, percebendo
a situação, olhou-nos e perguntou:
– Alguém tem as chaves do portão?
Flourbe moveu-se de sua posição estática e desceu do
carro para ajudar o chofer a abrir o portão.
Depois o homem voltou ao automóvel e o dirigiu através da
armação de metal negro, parando novamente para que Anthonie entrasse. Seguimos
até a porta principal da casa de dois andares, em estilo tradicional da região.
Pagamos ao jovem senhor e descemos do carro. Ele girou o veículo e seguiu
rapidamente para o portão. Provavelmente, estivesse achando tudo aquilo
demasiado esquisito... Nós também.
Subimos as escadas e abrimos a porta. O silêncio no
interior do imóvel era absoluto. Todos estávamos tensos. O que teria
acontecido?
Daemy quebrou nossa quietude. Estão todos aqui... Ouvi sua voz ecoando em minha mente. Todos, até nosso inimigo...
– Sabia que não passaríamos desapercebidos de você, minha
protegida! – disse uma voz grave, vinda da escuridão da sala. – Esperamos muito
tempo pelo regresso de vocês... Calma, minha pequena... Não precisa temer!
A demonia estava estática ao meu lado. Ela conhecia-o e o
temia, tinha certeza...
– Venham... – a voz prosseguia – Vou leva-los aos seus
amigos.
Nesse momento, uma luz vermelha iluminou a escada.
Começamos a subir os degraus. Não havia o que fazer. Agora estava claro que
eles haviam tomado a casa e que nossos amigos corriam perigo. Era melhor
obedecer e esperar para ver quem poderíamos salvar.
***
Chegamos ao andar dos dormitórios.
– Vamos começar com o primeiro da esquerda. – disse a
voz.
A porta abriu-se e o quarto foi iluminado pela mesma luz
vermelha que nos guiou pela escada. No interior da habitação havia um caixão
aberto. Sobre ele, flutuando, estava Cláudia.
De
repente, seu corpo começou a girar no ar, de modo que ela nos olhasse. A alma
penada nada disse, mas seus olhos, sim, muito disseram.
Em minha mente, passou sua história e nossos momentos
juntas. Queria correr, abraçá-la e tirá-la dali, mas não sabia como. Não
conhecia seu algoz. Não tinha ideia do que fazer...
Foi então que a luz sumiu e no centro do quarto, onde
estava o caixão, surgiram chamas... Ele ateara fogo aos restos mortais de
Cláudia. Pudemos ouvir seu grito e suas lágrimas... Os meus ficaram parados em
minha garganta... A dor apertava meu peito... Qual o motivo?
Não pode ser... Por quê?... Cláudia...
– Já vimos a primeira de suas amigas. – disse a voz na
escuridão, sem ao menos deixar-nos assimilar o que ocorreu. – Agora, continuem
seguindo pelo corredor.
Saímos do quarto. Lishva pegou-me pelo braço e me guiou
até a próxima porta iluminada de vermelho.
Novamente, ao nos aproximarmos, ela abriu-se sozinha.
Este quarto estava iluminado em apenas uma metade. Onde havia luz, podíamos
ver, amarrada em uma armação de madeira, Catherine. Do outro lado, estava
Suzanne, suspensa como Cláudia estava no ambiente anterior. A penumbra era tão
densa ao seu redor que quase não me possibilitava vê-la.
Catherine estava nua e com vários hematomas pelo corpo.
Sua cabeça estava caída, de modo que seu cabelo cobria-lhe o rosto.
Nesse momento, a luminosidade do quarto aumentou e vimos
as madeixas da moça sendo puxadas, erguendo sua cabeça para que nós víssemos
sua face. Foi então que ouvimos um grunhido alto. Viramos nossos olhares para o
lado oposto do quarto e vimos Suzanne contorcendo-se de ira.
Voltamos
a olhar Catherine e seu rosto estava coberto de sague. Os olhos estavam
fechados, o nariz havia sido mutilado, em seu lugar só tinha um buraco negro
por onde escorria o líquido vermelho e viscoso. A boca semiaberta pela força
contrária que o puxão do cabelo fazia com a gravidade, mostrava seus dentes.
Alguns quebrados, outros arrancados.
– A prostituta
quis reagir e ficou assim. Pobre coitada... Não queria que fizessem isso,
mas... Você conhece meus homens, não é mesmo, meu troféu? – disse a voz.
Daemy
continuava estática, mas seu rosto contorceu-se em ojeriza com aquela
declaração.
A voz
riu, uma risada gutural e grotesca. Nesse momento, a armação de madeira começou
a mover-se e os ossos do corpo de Catherine estalaram alto. Eu contorcia-me,
por dentro, de pesar e dor. Suzanne urrava... Parecia que ela sentia a dor que
a irmã não expressava. Por fim, houve um estrondoso som de algo rasgando e o
corpo da garota caiu... Seus braços e pernas permaneciam presos às madeiras.
Suzanne
calou-se e quando olhei para ela, seu espectro, estava tão claro que todos ali
podiam vislumbra-la, desaparecia como fumaça.
Dor...
Angústia... Eram sentimentos que me consumiam. Junto a eles, algo nascia em meu
peito... Raiva... Ódio.
Flourbe aproximou-se
de mim e pousou sua mão em meu ombro. Senti que o seu toque tinha a intenção de
acalentar-me. Ele ajudou-me a seguir a luz, que agora nos levava a próxima
alcova.
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