Solano

Praça do Ferreira (Cidade Fortaleza) ao fundo. O título do texto, "Solano", centralizado em letras vermelhas.


"Muito obrigado.”

Apanhou uma tigela de sopa com uma mão e saiu da fila. Procurou um lugar seco para se sentar, e acabou escolhendo uma calçada de loja, próximo de um bueiro. O ar quente e tóxico do esgoto lhe aqueceria naquela noite fria.

Se bem que não poderia reclamar muito do frio. Estava vestindo um sobretudo pesado, que já havia visto dias melhores, mas ainda aquecia o suficiente. Sua calça também era de um jeans grosso, e ele estava calçando suas botas militares. Sabia que o frio iria chegar com força naquela noite, mas ele sofreria menos que os outros.

Outro carro havia acabado de chegar, desta vez trazendo cobertores. Outra fila começou a se formar, com os pedintes se alvoroçando para ficaram na frente. Os policiais que vistoriavam a praça ficaram tensos com a iminência de uma briga começar mas, por sorte, nada aconteceu. Ele levantou-se e andou calmamente até a fila. Não esperava que sobrasse um cobertor para ele, mas não custava nada tentar. De fato, estava com sorte. Pegou um cobertor apropriado para o seu tamanho.

Voltou para seu bueiro, cobriu-se com o cobertor e se permitiu dormir um pouco. Mas a agitação da praça, em plena meia-noite, apenas permitia um cochilo de leve. Isso não era bom. Queria estar minimamente descansado quando seu momento chegasse.

Não demorou muito para que arrumasse companhia. O velho alcoólatra que conheceu há dois dias foi de novo sentar perto dele.

- Deu sorte hein, amigo?

- Verdade. Do meu tamanho.

- É… difícil ter um cobertor pra um cara grande assim como você. Hahaha! Quanto você mede? Um e oitenta?

- Dois metros e dez centímetros.

- Caralho! Mermão, você é grande pra cacete! Hahahaha!

Ele apenas sorriu. O velho pegou uma garrafinha de cana, tomou uma dose e ofereceu para ele. Recusou. O velho riu, e enquanto ria, começou a tossir.

- Dois dias que você dorme aqui na praça e eu nem sei seu nome ainda. O meu é Jeremias, muito prazer, meu chapa.

- Solano.

- Muito bom, muito bom… De onde você vem, Solano? Vivo aqui há uns bons 6 anos e nunca vi você nas áreas.

- Vim de longe.

- O homem é calado! Hahaha!

- Não sou bom com palavras.

- Calado, mas fala bonito… Vem fazer o que por estas bandas, meu amigo?

Solano encarou Jeremias com um olhar grave. Tomou um gole generoso de sopa, limpando a boca com a manga do sobretudo. Cravou os olhos na praça, deixando as lembranças dominarem sua mente. Ainda sentindo o cheiro da sopa que subia com o vapor, voltou a encarar o velho:

- Eu vim pra matar um homem.

Jeremias começou a gargalhar, mas esta foi morrendo na garganta à medida que ele percebia que Solano estava falando sério.

- Ei, irmão… Eu não sei o que esse cara te fez, mas não vale à pena fazer isso. Tu só vai se foder.

- Valeu pelo conselho, mas dispenso.

- Ei, ei! Você que sabe, meu chapa. Mas vai por mim… Isso não vai terminar bem.

Solano ignorou o velho. Na realidade, ele sabia que Jeremias tinha razão. Infelizmente, o que Jeremias não sabia, era que ele não tinha outra alternativa.

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