Susan Harks - VI - VII - VIII
REVELAÇÕES
Eu não dirigia a palavra a ninguém
durante a viagem. Almoçava, ceava, andava pelo barco e pelos trens, mas nada,
nem ninguém, via-me a conversar com outrem.
Foi Anne quem me alertou de minha
solidão.
– Está a muito perdida em seus
pensamentos e silêncios, prima. Os pensamentos silenciosos são necessários. O
silêncio e a solidão são bons conselheiros. Mas unir os três é fechar-se de um
mundo em que se está obrigado a viver.
Minhas mãos tremiam e lágrimas
desciam de meus olhos, não conseguia responder-lhe absolutamente nada. Sabia ser
essa a minha verdade e temia que, reconhecendo-a agora, ao olhar-me no espelho ver-me-ia
como o personagem do senhor Wilde. Temia que meu silêncio ao mundo me tornasse
deformada. A convivência é algo terrível, mas necessário à sobrevivência.
– Não consigo libertar-me daquela
maldita carta. – desabafei, em meio a um suspiro de dor. Doía-me revelar a
causa íntima e infame de meu silêncio.
– Pois abramo-la juntas.
Ergui-me da cadeira cor púrpura, a
qual estava enterrada em meu desespero íntimo. An dera-me forças, ela sempre me
passara algo de bom e forte. Fui a mesinha de canto e peguei aquele envelope
amarelado, com o emblema, à vela, do anel de meu pai. Voltei-me e sentei a
ponta da cama, de frente para An.
– Abra-a e leia para que eu também
ouça.
– Eu, Alexandre Henry Harks, Conde
de Damasburg... – lágrimas corriam embaçando meus olhos e pingando sobre meu
vestido e sobre o testamento, minhas mãos tremiam e minha voz era rouca. Não sei
com que força consegui ler – Em plena consciência de meus atos e de minha atual
situação, escrevo à punho este testamento em presença de meu advogado, senhor
Harry Cleven, e de sua Excelência, o juiz Sir Trempble, que autenticará em
seguida o aqui escrito...
– Continue.
– Declaro ser destinado ao memorial
de meu filho... Meu irmão... – há muito não pensava nele. Uma dor abateu-me
fortemente – Destinado ao memorial de meu filho, Alexandre Michael Harks, um
terço de meu salário político, para manutenção do mesmo e para manter a memória,
de meu amado filho, viva. Os meus bens imobiliários, como a mansão em que moro,
na rua Weitwall Street, e a casa de verão em Hildshine, ambas com toda a
mobília e utensílios domésticos, já contabilizados e dispostos em listas
autenticadas, passam a ser de posse de minha filha, Susan Harks. Assim como,
também são de propriedade dela, todas as jóias, obras de arte e literatura da
família...
– Você deve estar estranhado a falta
de alguns imóveis, como a casa de inverno, em Londres. Eles foram
vendidos devido a dificuldade financeira que meu tio estava passando... A
doença cobrou-lhe demais.
– Para quem pensava que nada tinha,
você acha que vou importar-me com alguns imóveis a menos? Creio até que isso
que me deixou é demais para o meu uso.
– Você fala isso, porque aprendeu a
viver sem luxo, minha prima. – falou-me Anne em meio a risinhos – Mas vamos...
Deve ter algo mais, ou acaba por isso mesmo?
– Deixo-lhe tudo o meu, como forma
de arrependimento por tê-la expulso do seio familiar – continuei – Sei que com
esse meu ato serei chamado desonrado, por não cumprir com a palavra de
deserdá-la, mas ninguém tem o direito de julgar um velho, quase abraçado com a
morte, e com o desejo de restituir tudo o que roubou de sua única herdeira
viva. Deixo, também, em agradecimento por ter acolhido minha flor da manhã, à
Anne Ross, minha sobrinha, o recanto de veraneio em Lickpshine... – suspirei
profundamente – É isso.
– Ele realmente queria redimir-se,
deixou inclusive algo para mim. – An sorria.
* * *
Senti-me mais consolada após a
leitura da carta.
Anne aconselhou-me a procurar o
advogado de meu pai, após a viagem, para que tivesse acesso a herança a mim
deixada.
Assim que voltasse assumiria o que,
agora, era meu por direito.
* * *
Àquela noite ceei bem, como não
comia desde que Anne revelara-me a carta. Thompson comentou, sorridentemente, a
minha reanimação à comida. Repetia, sempre, que eu estava fraca e pálida
demais, pela falta de alimento.
– Se você desmaiasse novamente,
poderia ser que não voltasse.
– Não falemos disto, Richard. O
importante é que estou animada, novamente, e logo vou recuperar-me.
– Senhorita Harks, vejo que a
alegria lhe volta aos olhos. Alegro-me em vê-la assim. – Douglas Stanner
aproximou-se, cautelosamente, pelo estreito corredor e colocou-se a meu lado.
– Se me der licença, Susan, vou a
meus aposentos. – disse Richard ao retira-se.
– Quer que a acompanhe até o quarto?
Creio que queira descansar. – Douglas já me oferecia seu braço. Aceitei-o e
fomos ao camarote 213.
Abri a porta e entrei. Ele parou, esperando
ser convidado a entrar. Dei-lhe permissão e disse-lhe, apontando uma cadeira
acolchoada, que ficasse à vontade.
– Por que o ocorrido no corredor?
– Eu e o senhor Thompson não temos
uma boa relação desde o seu desmaio.
– O que houve?
– Nossos pensamentos são
divergentes.
– Todos temos opiniões diferentes
sobre determinado assunto, Douglas. É por isso que a convivência é difícil. –
refletia sobre mim mesma, com essas palavras – O importante é respeitar essas
diferenças. Não somos iguais a ninguém... Mas o quê exatamente houve entre
vocês?
– Susan... – disse Douglas em meio a
um suspiro – Eu sei sobre você e Richard e não posso negar que isso me abala. –
seus olhos azuis prendiam-se a paisagem que passava pela janela de meus
aposentos – Antes de conhecer-lhe, Susan, eu apenas sabia tratar-se de uma moça
agindo pelo impulso da paixão que arde no coração de uma jovem pura. Mas depois
que a conheci...
Eu esperava esse momento desde que
Anne contara-me sobre Douglas Stanner, o meu prometido noivo. Queria que ele me
contasse, por sua vez, como ocorreram os fatos. Mas devo admitir que uma
declaração sua, naquele momento, não era, por mim, esperada.
– Mas depois que a conheci, depois
que conversamos, àquela tarde, junto ao chafariz de anjos, na casa de Anne...
Não consigo não admirá-la. – ele levantou-se, segurou minhas mãos e pousou seus
olhos, cor de céu, sobre os meus – Você é linda Susan... Linda e forte. Passar
por tudo o que você passou e permanecer firme...
– Eu chorei muitas noites, sozinha em
meu quarto. – confessei-lhe.
– Mas permaneceu firme. Continuou
seguindo seu caminho, independente do seu passado. Aprendeu a conseguir seu
sustendo e sobreviveu a tudo. Você está aqui, Susan. Está viva e forte!
– Forte o suficiente para estar
chateada com você! – olhei-o fixamente nos olhos – Você sempre soube de tudo...
Deixou eu contar-lhe minha história... E eu tive que descobrir, por An, quem
você era! – larguei suas mãos e andava de um lado para outro, no quarto, de
maneira rápida e esbaforida, como uma criança mimada – Como pode me esconder
isso, Douglas? – minha voz estava exaltada, eu sentia isso.
– Acalme-se Susan. Deixe-me
explicar.
– Então, explique! – subitamente,
parei a sua frente, mas ainda estava sobressaltada – E não me toque!
– Susan, sente-se! Acalme-se! – a
voz de Douglas era calma, mas forte.
Sentei-me na cadeira de acolchoado
roxo e ele sentou-se em outra cadeira, ao meu lado.
– Susan, – começou ele calmamente,
olhando para meus braços cruzados contra o peito – Eu nunca a havia visto
antes... Você fugiu da casa de Anne, no dia em que...
– Eu sei disso! – interrompi.
– Então, – prosseguiu ele sem
levantar os olhos – precisava ter certeza de que era você. De que você era a
minha Susan.
– Sua Susan... – estava em pé,
novamente – Como ousa tratar-me como posse!
– Acalme-se! Não foi minha intenção!
– ele colocou-se ao meu lado, segurando meus braços delicadamente, mas de forma
segura.
– Saia, Douglas! – gritei – Quero
ficar sozinha!
Ele olhou-me por mais algum tempo e,
quando estava prestes a repetir a ordem, ele virou-se e saiu. Deixei-me cair em
minha cama e as lágrimas puderam escorrer livremente molhando a colcha vinho
com detalhes em florais amarelos. Meus olhos pesaram e adormeci.
DÚVIDA
Logo nossa viagem cessaria. Já se
passava o fim dos cinco meses prometidos por Anne e Moscovo ainda não se
mostrara. Apenas mais 15 dias...
Atrasos de viagem! Todos comentavam
pelos corredores do trem.
Estávamos há dois meses e meio
percorrendo aqueles corredores apertados, dormindo ao som da maquinária e
pulando de vagão em vagão em busca de algo o que fazer.
Eu estava no vagão social, sentada
em uma cadeira de tecido branco, já amarelado pelo tempo e pelas pessoas que
dele se utilizaram. Olhava, sem ver, algo pela janela ao meu lado, imersa em
pensamentos e deixando que minha imaginação voasse até a desconhecida Moscovo.
Foi quando uma voz grossa e firme
quebrou o silêncio que me cercava.
– Senhorita Susan, se sente tantas
dúvidas sobre seus sentimentos, deveria expor-lhe a quem o diz respeito. Assim
solucionaria suas questões. – disse-me Flourbe, fitando-me com olhos que
desvendavam meus pensamentos.
Não havia dito nada sobre isso a
ninguém e tentava de todas as formas não pensar sobre esse assunto, mas de
alguma maneira este homem sabia.
– Posso sentar-me?
Apontei-lhe a cadeira amarelada a
minha frente. Não conseguia negar um pedido daquele homem que estava deixando-me
intrigada.
– Percebo que a deixei confusa.
– Devo lembrá-lo de que é a segunda
vez que faz isso comigo.
– Perdoe-me, costumo ser mais
discreto.
– Discreto para o senhor é sinônimo
de reservado e misterioso? – desde o primeiro momento em que vi Anthonie Flourbe,
na noite em que cheguei à casa de minha prima Anne, senti ser ele um homem de
segredos. Sempre fora muito sério e íntegro em nossa presença, mas também muito
fechado e de poucas, mas interessantes, palavras.
O homem riu, mas logo seus olhos
endureceram e seu tom era sério.
– São necessidades que uma pessoa
como eu deve-se dar o luxo. – seus olhos negros eram intensos, enquanto ele
analisava minhas reações – Devo pedir desculpas por deixá-la ainda confusa, mas
devo retirar-me agora. Com sua permissão, lady.
Acenei com a cabeça. Ele ergueu-se e
se foi pelo corredor. Deixei-me afundar, novamente, em devaneios e teorias. Não
entendia a essência daquela conversa, mas algo me dizia que fora importante.
* * *
O relógio do vagão social badalou
cinco vezes e as nuvens mais altas já mostravam suas silhuetas escuras pela
janela a qual eu olhava. Levantei-me e dirigi-me ao outro vagão, iria a meu
camarote preparar-me para o jantar. A conversa de mais cedo deixara-me sem
apetite, mas precisava acompanhar os outros.
Minhas mãos estavam à porta do 213,
quando um braço envolveu-me a cintura e puxou-me para trás. Seus lábios
lançavam beijos em meu pescoço.
– Já leu meu poema? – perguntou
Richard, com os lábios encostados em meu ouvido.
– Não, senhor. – consegui arquejar,
em meio aos arrepios que corriam por minha pele.
– Então, deixe-me entrar e leremos
juntos.
– Na verdade, – minha mente voltou a
clarear – Enganei-me em dizer que não o li. Li-o, mas já me esqueci.
– Então, podemos lembrá-lo. – ele
soltou minha cintura para poder girar meu corpo, que se movia como se não
obedecesse aos meus comandos – É só deixar-me entrar.
Seus olhos cor de mel, fizeram-me
perder a atenção no que acontecia ao nosso redor.
– Atrapalho algo? – reconheci a voz
de Douglas, aproximando-se.
– Como sempre! – o tom de Richard
era rude.
– Na verdade, não. – tentei sorrir
para Douglas – Richard e eu já estávamos despedindo-nos.
Soltei-me das mãos de Thompson e
virei-me para abrir a porta e entrar em meus aposentos. Anne estava sentada
perto da janela, lendo e o silêncio dentro do quarto permitiu que ouvíssemos a
discussão do outro lado da porta.
– Você não tem mais o que fazer além
de atrapalhar minhas conversas com Susan? – reconheci a voz de Richard.
Anne levantou-se e veio juntar-se a
mim, ao lado da porta. Seus olhos denunciavam sua curiosidade.
– O senhor aproveita-se de seus
momentos à sós com a senhorita Harks.
– Ele é sempre tão educado. –
sussurrou An, em meio a um risinho.
Limitei-me a acenar com a cabeça,
voltando a prestar atenção aos homens do outro lado da porta.
– Susan gosta de minha companhia.
– Devo afirmar-lhe o mesmo sobre
mim, senhor Thompson.
– Senhores... – a voz de Flourbe
tornara-se inconfundível para mim. – Devo lembrá-los que estão em um corredor
de trem, com uma enorme facilidade de produzir ecos. – o homem parecia
divertir-se com o fato, ou com algo a mais, arrisquei propor.
As vozes cessaram e passos ecoaram
pelo corredor. An voltou-se para mim, o rosto cheio de questões. Expliquei-lhe
o que ocorrera antes de entrar no quarto e seu rosto mudou.
– É difícil para você com Richard
sempre por perto, não? – sua voz e seus olhos transbordavam ternura – Desde o
dia em que ele chegou em minha casa... As suas reações eram visíveis, eu que
não as enxerguei. Agora compreendo... Você não abandonou completamente o
passado.
Não respondi e ela não me forçou a
tal. Anne sabia que também não havia abandonado o seu passado.
* * *
– É isso que significa, não é? – eu
disse sentando-me ao lado de Flourbe, no deserto vagão-refeitório.
– Está mais evidente a cada conversa
que você tem com um ou com outro... Tão evidente quanto os ciúmes deles.
– Você se divertiu hoje, não? – eu
quase sorria ao lembrar-me de seu tom de voz, mais cedo, no corredor do vagão
dos dormitórios.
– Foi engraçado lembrá-los do eco. –
ele sorriu, mas seus olhos analisavam-me – Você sabe o que fazer?
– Não... Sinceramente, queria poder
ponderar sobre os dois.
– Se isso ajudar... – Flourbe
relutou com as palavras – Estou sendo muito bom com você. Considere isso. –
acenei com a cabeça, concordando com o seu pedido. Ele fitou-me sério e continuou
– Douglas é um bom rapaz, apesar da esperteza que a advocacia lhe deu. Ele a
respeita e admira por sua história, mas está disposto a cumprir com o prometido
a seu pai, Susan.
– Prometido a meu pai. O que ele
prometeu?
– Este é um assunto para uma nova
conversa entre vocês... Não, não se apresse. Tudo tem o seu devido tempo e
vocês terão essa conversa em algum momento.
– Certo... E quanto a Richard?
– O médico deixou transparecer
algumas coisas depois de seu desmaio... Devo lembrar-lhe do bloco de notas. –
Flourbe endireitou-se na cadeira – Estão vindo.
TODOS TÊM A SUA CHANCE
– Senhorita, posso acompanhar-lhe?
– O prazer seria meu, senhor
Stanner.
O jantar havia sido silencioso, como
os que o precederam. Silêncio era tudo o que tínhamos... Silêncios íntimos e
que nos atormentavam. Conversas surgiam por diferentes motivos, mas nenhuma
quebrava a quietude mortal da viagem. Ninguém ousava arriscar-se pelas
hipóteses do destino que logo enfrentaríamos.
– Susan, – os olhos azuis de Douglas
fitavam-me curiosos e apreensivos, pelo meu silêncio, talvez – minha presença
lhe incomoda?
– Não.
– Então, por que o silêncio entre
nós?
– Estava presa em pensamentos,
apenas isso, Douglas. – disse, enquanto abria a porta e indicava-lhe a cadeira
próxima à janela.
– Se não estiver sentindo-se bem,
posso deixá-la sozinha... Se bem que receio deixá-la só.
– O que disse? – algo em sua voz
recuperou minha atenção.
– Nada, foi apenas um pensamento
alto.
– Por favor, diga. Sinto que não
estou lhe dando a atenção devida hoje – aproximei-me de Douglas e posei minha
mão sobre seu ombro. Ele estranhou meu toque e voltou o rosto para olhar-me.
– Apenas me incomoda que você
converse à sós com Richard. – seus olhos caíram, fixando-se no chão, como um
garoto tímido quando se declara ao seu primeiro amor – E se não estivesse aqui
com você, provavelmente estaria seguindo o médico para certificar-me de que ele
não a estaria incomodando.
– Ter você aqui também me acalma com
relação a Richard.
– Ele a deixa desconfortável, não?
– Ele ainda... Ele... – não sabia
como dizer isso, muito menos a Douglas – Ele faz-me voltar a juventude...
Àquela adolescente apaixonada.
– Eu percebi a sua reação esta tarde.
Apesar de tudo o que ele lhe fez, você ainda se perde por ele.
– Desculpe, mas este não é o tipo de
assunto apropriado para eu ter com você.
Mas Douglas já estava em pé ao meu
lado, segurando meus ombros. Virei-me para esconder meu rosto enrubescido. As
mãos brancas e macias, mãos de um homem que trabalha com serviços leves, porém
eram mãos firmes, seguravam meus ombros com mais força, mas ainda tão delicadamente
que não intencionavam machucar-me. Uma delas seguiu meu pescoço até meu queixo e
fez com que eu virasse meu rosto, encontrando seus olhos azuis fixos nos meus,
seu rosto estava tão próximo que pude sentir sua respiração. Não consegui
controlar minhas reações... Seu beijo era suave e calmo, tão carinhoso como as
suas mãos tocando os meus braços e minhas costas... Seus dedos deslizando por
meu cabelo.
* * *
– É melhor você atendê-lo – disse-me
Douglas, ao pé do ouvido.
– Atender quem? – até então não
havia atentado-me que batiam à porta – Ah! Sim. – sem vontade, soltei-me dos
braços de Douglas e segui para a porta.
– Está tudo bem, Susy? – perguntou
Richard investigativo, assim que abri aporta – Demorou tanto para me atender.
– Estou bem. Estava... Ocupada. –
gaguejei enquanto corava.
– Ah! Entendo. – o olhar de Richard
Thompson já havia analisado o quarto atrás de mim, e pela mudança em sua voz,
ele percebera a presença de Douglas, que propositalmente havia colocado-se às
vistas do médico – Todos têm a sua chance.
Richard já estava indo embora,
quando virou-se, com um sorriso desdenhoso, para Douglas.
– Aproveite enquanto pode. Ela
voltará a ser minha.
Eu fechei a porta sem perceber se
Thompson já havia ido ou não.
– Aproveite?! Isso me parece
jogatina entre homens. – interroguei Douglas.
– Eu e o senhor Thompson estamos em
uma disputa particular. – seus braços já enlaçavam e me acalentavam contra o
seu peito – Mas não há apostas, somente a disputa de dois homens por uma
encantadora dama.
– Nada de apostas? Apenas uma
disputa limpa? – minha mente já voava em meio aos olhares e carinhos de Douglas
Stanner.
– Não. De minha parte... Tudo limpo.
Eu me perdi novamente em seus
lábios.
* * *
– Bom dia, senhorita Harks. Como foi
a sua noite em companhia do senhor Stanner?
– O senhor não poderia ser menos
inconveniente, senhor Thompson?
– Não quando você se atreve a
deitar-se com o meu adversário!
– Não me deitei com ninguém, senhor.
Não...
– Não deitou?... – seu tom era
pensativo – Então, o que você e Stanner fizeram a noite inteira?
– Não interessa ao senhor, senhor
Thompson!
– Não o vi sair de seu camarote. –
sua mão apertava o meu braço de modo rude.
– O senhor está machucando-me! –
gritei.
– Conte-me o que houve. – exigiu,
apertando ainda mais meu braço.
– Não lhe interessa!... – minha
resposta foi cortada pelo beijo que Richard deu-me. Um beijo agressivo e
possessivo, muito diferente do que me lembrava. Muito diferente do beijo
delicado de Douglas.
As mãos de Richard eram rápidas e
inquietas, seguravam minha cintura, apertavam meus braços, forçavam meu pescoço
a permanecer imóvel, forçavam meu rosto a permanecer colado ao seu.
Um
jogo sujo contra um cavalheiro tão limpo. – pensei.
Com algum esforço, tentava empurrar
Richard, tentava fazer com que se afastasse, mas era tudo em vão. Até que, em meio a
um movimento que não sei ao certo como ocorreu, consegui morder o lábio de
Thompson. Mordi com tanta força que sangrou.
– Você não me tratava assim. –
retrucou o médico em meio a um sorriso.
– Apenas estou defendendo-me... –
mais uma vez ele cortou-me a fala com um beijo, mas agora me guiava para algum
lugar.
Sentia apenas que me forçava a andar
para um dos quartos do vagão-dormitório. Ele colocou-me contra a porta, para
que pudesse abri-la e continuou a empurrar-me até que sentei na cama... Sua
cama... Estava no seu camarote...
– Richard... Está louco!
– Não posso permitir que aquele doutorzinho consiga o que quer!
– Richard... Deixe-me ir embora! –
já havia levantado-me para seguir em direção à porta, mas ele segurou-me pela
cintura com seu abraço rude – Deixe-me ir! – gritei.
– Não!... Não até saber o que aconteceu?
– Já disse que não lhe interessa!
– Interessa a mim mais do que você
imagina! – ele soltou meu braço em meio ao esbravejamento da resposta.
Novamente, tentei seguir para a
porta, mas ele alcançou-me e segurou-me o braço, desta vez era mais delicado.
– Estou assustando-lhe, não é?
Desculpe-me! Em nenhum momento tive a intenção de machucar-lhe, minha doce flor
da manhã... Apenas sai de mim com a possibilidade de você ser de outro...
Susy?... Eu realmente a machuquei não foi?... Susy?... Susy, diga algo...
Eu estava atônita... quando ouvi ele
chamar-me como em tempos passados... minha
doce flor da manhã... Como ele lembrava?
– Susy, diga algo... Por Cristo, Susy... Fale comigo....
– Você lembra-se... – meus olhos
estavam embaçados, meu corpo rendia-se ao peso da lembrança.
– Claro que lembro, querida. – a voz
de Richard era doce, ou o meu estado fazia-me pensar assim – Era a forma como a
chamava de manhã, à hora do seu primeiro remédio... Era como fazia você
acordar.
O rosto dele estava envolto em um
lindo sorriso, os olhos cor de mel brilhavam. Minha única reação foi
abraçá-lo... Deitar minha cabeça em seu peito e chorar pelas lembranças de uma juventude
obscurecida.
* * *
Quando já estava restabelecida,
Richard levou-me ao meu camarote... Era quase hora da ceia.
Ele portou-se como um cavalheiro
durante todo o período que esteve em meus aposentos... Até que ouviu-se chamar
a porta.
– Chegou a cavalaria!
– Richard...
Ambos sabíamos que era Douglas...
Thompson abriu a porta antes que me opusesse. Ao vê-lo, Douglas Stanner
adentrou meus aposentos com tamanha rapidez, que quando percebi já estava ao
meu lado, em uma posição que colocava-o entre mim e Richard.
– Douglas, o que está havendo?
– Desta vez não vou retirar-me,
senhor Stanner.
O advogado não respondeu a Thompson,
mas dirigiu-se a mim.
– Este senhor fez-lhe algo?
– Como?
– Ouvi, mais cedo, a senhorita
gritar e quando a procurei, não a consegui achar. Está tudo bem?
– Está. – estava assustada com a
reação de Douglas... A posição defensiva... A maneira como olhava de mim para
Richard e voltava para mim.
– Certeza que está tudo bem?
Acenei com a cabeça afirmativamente.
Não conseguia responder... Estava completamente atônita com aquela situação.
– Então, vamos jantar. – Douglas segurou
minha mão, guiando-me para fora do quarto e ao passar pela porta, onde Richard
estava parado, encarou-o longamente.
Eu continuava sem palavras...
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