JANELA


Saliva. 

Calor. 

Respiração ofegante. 

Desejo. 

Um beijo vulcânico, quente e demorado.



Depois outro e mais outro.



Seria aquela uma noite memorável. O vento entrava pela janela do quarto cor de peŝsego.

Os seus cabelos eram agitados levemente para a frente do rosto, deixando tudo mais humano, real e ardente. Eles se olhavam e se devoravam em cada olhar. As mãos ásperas dele deslizavam pelas suas costas. O contato era arrepiante: seus corpos pediam, ansiavam e incendiavam-se mutuamente.



Possuíam ritmos diferentes: ele tinha medo, ela tinha pressa. Ele era raso; ela, profunda. Ele, tradição; ela, ação, evolução, revolução. 



Sempre foi assim. 



O cheiro de pele salgada invadia o olfato, intensificando o momento e o vivificando. Como era bom estar vivo!



Toque. O calor dos corpos envolvidos e próximos.

Beijo. A sensação úmida e quente no pescoço.

Mãos que deslizam, beijos que vão se multiplicando. Não havia tempo, preocupação ou vida lá fora. O amanhã não importava, enquanto seus olhos permaneciam fechados.



Sua pele era macia. E a aspereza daquela barba mal feita roçando em seu pescoço, contrastava com a suavidade da sua pele. Era  surreal. Era pecado. Era perfeito.



Ela, então, abriu seus olhos. Observou o quarto mal iluminado, as sombras dos móveis na parede, os olhos do homem à sua frente e a janela aberta.



Que merda estamos fazendo...”, ela pensou. 

Ele observou a ruga de preocupação em seu rosto. Ele tinha medo também. Com empatia, encostou a sua testa na dela, enquanto segurava levemente sua nuca. Estavam juntos nessa. Ela o havia arrastado para o inferno que era a sua vida e ele tornou-se um de seus demônios. Ele sabia dos riscos. Os dois respiraram fundo, tentando livrar-se do peso de suas escolhas.



Simplesmente, meramente, espontaneamente estavam vivendo. Do modo mais simples e humano possível. Do jeito que a maioria das pessoas experimenta uma única vez.



Como era bom estar vivo!



Aproveitaram os rostos colados: apenas um único e leve movimento e seus lábios se encontraram. Fizeram tudo aquilo com muita familiaridade. Boca, mãos, pernas, braços, coxas. Corpo.

***

Mãos que já não deslizam, beijos que não se multiplicam. Havia pressa, preocupação e vida lá fora. O amanhã importava e os olhos dele estavam bem abertos.



Ela estava serena; ele, agitado. Ele acaricia o seu rosto. Ela beija a mão dele, uma, duas, três vezes. Eles se olham. Ele resiste. “Pelos meus cálculos, isso não tem possibilidade de dar certo...”, ele diz. Ela beija a mão dele mais uma vez: “Você é de humanas, não sabe calcular”. Ele hesita e repete: “Pelos meus cálculos, isso não tem possibilidade de dar certo...”. Ela, afasta-se, dizendo: “Ok, não vou insistir.”. 



Ele levanta-se, veste-se e vai embora.



Ela estava sozinha novamente. A janela continuava aberta e ela sentia frio. Permaneceu contemplativa alguns instantes antes de colocar a camisola branca e levantar-se. Foi até a geladeira, tirou o vinho que havia começado a beber no dia anterior e encheu a taça. debruçou-se sobre o parapeito da varanda do andar de casa, de onde podia ver o movimento calmo da rua às 2h da manhã. Olhou para baixo. 



Nem sempre era bom estar vivo.













Texto de Sarah Aguiar


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