A existência e sua longa duração ou a insustentável leveza do ser (?): Reflexões da ditadura brasileira no documentário O Dia que Durou 21 Anos

Gente, queria compartilhar com tod@s essa tentativa de resenha que fiz para uma disciplina da faculdade. A linguagem acadêmica às vezes se torna chata e de difícil entendimento, por isso tentei modificar um pouco, mesmo não conseguindo muito. Enfim, espero que leiam, beijos:

Nas (des) comemorações ou aniversário da ditadura brasileira em 2014 uma série de debates e disputas se acirraram. Por mais estranho ou desumano que pareça aos defensores da democracia e dos direitos humanos, grupos conservadores tomaram uma face visível em defesa da retomada do regime e revisão da palavra ditadura, empregando, como outrora fizeram os apoiadores do regime de exceção, a palavra revolução ou intervenção militar. 

Vários estudiosos, vítimas (presos e presas, pessoas torturadas, sequestradas) e seus parentes, documentos e a mais recente Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011 no governo da presidenta Dilma Rousseff, apontam os crimes e violações de direitos humanos, assassinatos, perseguições e outros crimes cometidos pelo estado, governado durante os 21 anos por homens dos altos escalões das forças armadas.
Cartazes comuns em boa parte das manifestações que se propunham a reclamar do governo. Contudo carregavam consigo não apenas uma insatisfação com a forma de governar da atual presidenta, mas ideias golpistas e antidemocráticas.
Milan Kundera, em A insustentável Leveza do Ser, escreveu: "A história de Édipo é bem conhecida: tendo encontrado um recém-nascido abandonado, um certo pastor levou-o ao rei Pólibo que o criou. Já adulto, Édipo cruzou-se um dia numa estrada de montanha com um carro de cavalos onde viajava um príncipe desconhecido. Gerou-se uma discussão e Édipo matou o príncipe. Mais tarde, desposou a rainha Jocasta e tornou-se rei de Tebas. Não fazia a mínima ideia que o homem que um dia matara nas montanhas era seu pai e a mulher com quem dormia, sua mãe. E, no entanto, o destino encarniçava-se contra os seus súbditos, cobrindo-os de pragas. Quando Édipo percebeu que o culpado dos seus males era ele, vazou os olhos com alfinetes e, cego para todo o sempre, deixou Tebas.(...) sabiam ou não sabiam? Mas: alguém é inocente apenas por não saber? um imbecil sentado no trono estaria isento de toda a responsabilidade pelo simples fato de ser imbecil?"

O texto de Kundera é interessante se pensarmos em relação a suposta falta de informação das pessoas que pedem a volta da ditadura, comentário bastante comum nas redes sociais nos últimos tempos. 

O documentário brasileiro dirigido por Camilo Tavares, que tem por título O dia que durou 21 anos e foi produzido no ano de 2012, foca na intervenção e participação do governo dos EUA na articulação e efetivação do golpe. No filme, vários documentos do governo americano e da CIA são citados, inclusive ligações entre o embaixador americano no Rio de Janeiro naquela época, Lincoln Gordon e o presidente John Kennedy. Lincoln Gordon foi um dos idealizadores do programa Aliança para o Progresso, uma das estratégias de controle do governo americano para os países da América Latina, buscando controlar movimentos revolucionários e tentando evitar ou conter as ideias e aspirações socialistas. Dentro das estratégias, o programa chegou a distribuir toneladas de leite em pó no sertão brasileiro.

Várias tensões são mostradas no documentário. Uma das mais significativas é o dinheiro pago pelo governo americano a políticos brasileiros para legitimarem articulações do golpe, para discursarem e envolverem o nome do então presidente da República, João Goulart, em difamações e notícias contrárias a seu projeto político. Numa fita gravada, o embaixador Gordon pede a ajuda financeira ao governo americano para auxiliar opositores de Goulart na campanha presidencial de 1965 e sugere fazer isso através do IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – responsável por produzir propaganda política de aceitação ao golpe de estado. 

A morte de John Kennedy não significou o fim dos planos de intervenção dos EUA no Brasil. O novo presidente Johnson continua a política hostil contra João Goulart e afirma numa fita gravada que o presidente pretende estar no comando de um regime comunista. É importante entender que o projeto de intervenção não é exclusivo de John Kennedy. A importância dada a América Latina, sobretudo ao Brasil, está ligada a uma disputa no campo internacional com a União Soviética e o projeto socialista. Após o processo revolucionário cubano, em 1959, as atenções e controle sobre a América Latina se intensificaram.

Outro aspecto importante do documentário é quando se fala dos movimentos dos trabalhadores rurais, ao citar diretamente as Ligas Camponesas. Isso nos faz refletir como a perseguição, bem como as resistências aos mecanismos de repressão e controle não se deram apenas no que se refere as classes urbanas, operárias, intelectuais e estudantis, mas aos grupos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, aos camponeses e indígenas.

Apesar de o documentário focar bastante na orquestração do golpe pelo governo americano, um sentimento anticomunista já era experimentado no Brasil antes dos programas e iniciativas dos americanos citados anteriormente. Inclusive, contando com apoio e recebendo legitimidade por setores da sociedade civil. 

Uma campanha de acusação e constrangimento ao presidente brasileiro e as reformas de base a serem realizadas, o sentimento anticomunista e a associação e propaganda da oposição a Jango taxando ele e seu governo de comunista e beirando a revolução, assim como a possibilidade de efetivação de transformações sociais profundas, que poderiam intervir com os interesses dos EUA, como menciona do embaixador americano, e das elites brasileiras fortaleceu conspirações para o golpe.

Como é narrado em O dia que Durou 21 anos, o golpe militar se aconteceu. Mas não apenas pelo apoio americano, apesar de comprovada intervenção. Políticos, setores das elites, da Igreja Católica e as forças armadas, tornaram possível o golpe contra a democracia brasileira e ao governo de João Goulart. 

No dia posterior ao golpe de 1964, no dia 2 de abril, o governo americano reconheceu o novo governo brasileiro. Enviando, inclusive, às vésperas do golpe, força militar e armas de controle de massas, caso houvesse resistências de João Goulart e seus aliados, ou da sociedade civil. 

Esse documentário expõe sobretudo a participação americana, mas é fundamental buscar sempre questionar as o que se conta não apenas do período em questão, mas de outros períodos e, neste caso, se estudar a participação de diferentes setores da sociedade no golpe de 1964.

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