Irmãs - Parte II

Interrogatório

I

– Quantos anos você tinha?

– Oito.

– E você disse que não gostava do chá, por quê?

– Não era chá.

– E o que era?

– Como disse, minha mãe não gostava de mim.

– Sim.

– Descobri que o chá tinha um tempero especial, digamos assim. Ela colocava ricina na bebida. Isso explica o fato de minhas doenças frequentes. Ela era muito esperta, administrava pouco, muito pouco. Não queria que a culpassem novamente.

– Ricina?

Acenei, com a cabeça, afirmativamente.

– O que você fez quando descobriu?

– Preparei um chá para ela.

– Você a matou?

– Não. Suzanne não permitiu.

– Suzanne? Sua irmã? A da foto? A da luz azul? – Disse o inspetor, nem ao menos tentando disfarçar a risada que não saia de seus lábios, mas de seu corpo inteiro.

– Sim.

– A quanto tempo você mantém contato com a sua irmã? Exatamente, digo. – O velho homem engolia o riso.

– Faz, exatamente, quinze anos.

– Sei... E como ela lhe impediu?

– Enquanto preparava o chá, ela me dizia para não fazer aquilo. Dizia que poderia parecer justo, mas que seria doloroso para mim perder minha mãe. Que seria doloroso carregar esse fardo. Mas eu creio que ela não queria a presença de nossa mãe ao lado dela. Porque, com certeza, ela voltaria para aterrorizar minha vida.

– Então, você não a matou?

– Não.

– E quem o fez?

– Quando você carrega fardos muito pesados, inspetor, ou eles lhe matam ou alguém vem completar o serviço.

– Quem? Quem a matou?

– Não sei.

– Você sabe! Você irá me dizer! – O homem gritava.

Fiquei calada, observando-o. Eu transparecia calma, mas ria por dentro. Talvez esse fosse o único crime que realmente não tenha cometido e o homem me acusava com todas as suas forças.


II

Três horas se passaram. Três horas, desde que o inspetor gritou, dentro daquele cubículo onde eu dava meu depoimento. Três horas, desde que ele saiu, batendo a porta, enfurecido e me deixando só.

A porta abriu-se e o rabugento senhor de meia idade voltou a entrar na sala.

– Você disse que fala com sua irmã. – Disse ele com um meio sorriso nos lábios. – Ela está aqui, não está? Então vamos conversar, nós três.

Nesse momento, ele colocou sobre a mesa uma caixa e a destampou. Retirou de lá um tabuleiro de Ouija e olhou-me fixamente.

– Vamos jogar?

Nada respondi e ele prosseguiu com toda aquela encenação que sempre se faz quando os enganadores usam esse método de contato. O que poucos sabem é que isso não faz diferença alguma. O tabuleiro apenas evidencia o que ocorre nos entre-mundos.

– Se houver alguém aí, mova esta pedra.

Nada aconteceu.

– Desista. Ela não vai falar. Ela não quer falar.

– Faça ela falar! Você é quem a vê!

– Ela não vai querer falar. – Repeti.

– Chame-a!

Respirei fundo, a contragosto, e chamei-a.

– Suzanne...

Alguns minutos se passaram até que a pedra do jogo se movesse, o que assustou o velho inspetor, que estava de braços cruzados ao lado da porta.

– Diga a ela que responda as minhas perguntas.

A pedra moveu-se novamente – P-E-R-G-U-N-T-E-I-N-S-P-E-T-O-R-P-H-I-L-I-P-M-A-D-S-O-N –, causando um susto redobrado no policial, que nunca revelara seu primeiro nome a moça.

– Quem matou a mãe de Catherine?

A pedra não se moveu.

Ele repetiu a pergunta e ela continuava estática. O homem não cria no que seus olhos viram a pouco. Saiu da sala extasiado... com as pupilas dilatadas.


III

O inspetor saiu da sala enfurecido. Acompanhei seus passos pelo corredor cheio de portas, não haveria problemas em deixar Catherine um pouco só. Ele entrou em uma das salas e aproximou-se de uma mesa, nela havia uma placa de identificação – Philip Madson, inspetor geral –, pegou o telefone e depois de alguns minutos de espera:

– Aqui é o inspetor Madson. Mandem uma equipe.


IV

Mais uma hora se passou até que o inspetor voltasse a sala. Dessa vez, ele não voltara só. Outros três homens estavam com ele. Todos de branco.

- Catherine, seja boazinha. – Disse o inspetor sorrindo.

Dois dos homens de branco aproximaram-se, seguraram-me pelos braços firmemente, vestiram em mim uma camisa de força e me arrastaram para fora da sala e do departamento de polícia.

Na rua, estacionado em frente a porta principal da delegacia, estava um carro igualmente branco. Foi nele que me empurraram e me levaram para a grande casa que seria meu novo abrigo.

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