O jogo - Parte II

Eram dez horas da noite, estávamos na sala assistindo à televisão e não reparamos a primeira vez que aconteceu, mas então minha mãe ouviu um barulho vindo do sótão. Ela comentou comigo, mas não dei atenção, já que não havia ouvido. Contudo, o barulho repetiu-se, dessa vez mais alto, e então eu pude ouvir. Era o barulho de algo sendo arrastado... Ficamos quietas e o barulho parou por um tempo... Apenas tempo suficiente para iniciar novamente e mais alto.

Fomos para o corredor, nos aproximando devagar da porta que dava acesso ao sótão. Tentávamos não fazer barulho... Quando estávamos quase chegando, a porta fechou-se sozinha, causando-nos um susto enorme. Decidimos não dormir em casa àquela noite.

Fomos à casa de nossa vizinha, uma simpática senhora de aproximadamente sessenta anos, que frequentava a mesma igreja que minha mãe e com a qual ela já tinha comentado os estranhos fatos. Essa senhora que era muito beata, assim que ficou sabendo o motivo de nossa visita no meio da noite, ligou para o padre. Como ele só poderia vir no dia seguinte, ela nos arrumou alguns cobertores e travesseiros, para que nos acomodássemos em sua sala.

Na manhã seguinte, o padre, e outros companheiros que ele trouxe, encontrou-se conosco na casa de nossa vizinha. Depois de explicar o que aconteceu, nos dirigimos a nossa casa.

Quando abrimos a porta, a casa estava uma bagunça, parecia que um tornado havia passado por ela. Os sofás estavam fora de lugar – um deles estava ao avesso –, a televisão estava quebrada, assim como muitos dos pratos e copos da cozinha. A mesa de jantar retangular, que ficava encostada em uma das paredes da cozinha, estava de travessado. Nossos quartos estavam com as camas desfeitas e as roupas dos guarda-roupas espalhadas. E não comentei, mas todos os espelhos estavam quebrados, inclusive os que não estavam à vista, como os dos meus estojos de maquiagem.

Novamente, o padre e, agora, a sua equipe benzeram a casa e nos benzeram. Juntamo-nos em uma roda e rezamos um terço em cada cômodo, incluindo o sótão. Até eu que não acreditava, começava a achar aquilo estranho e inconscientemente fazia o sinal da cruz ao passar perto da porta do sótão.

Passamos o resto do dia arrumando a casa e nada de estranho aconteceu. Mas decidimos dormir juntas na sala, àquela noite. Ainda estávamos muito assustadas...

***


Dormimos bem e, aparentemente, nada nos atormentou o sono, nem nada mudou de lugar durante à noite. E assim permaneceu por um mês. Até que tudo recomeçou...

Já havíamos recuperado a confiança de andarmos pela casa. Estávamos tentando esquecer o que tinha acontecido... Mas uma noite, acordei sendo puxada de minha cama. Alguém segurava meu tornozelo com força e o puxava. Era como uma mão fria... Acordei com aquela sensação e quando me sentei na cama, para ver o que era, o puxão tornou-se tão forte que cai. Foi então que ouvi...

– Cláudia... – Uma voz soava em meus ouvidos... Uma voz distante e sedutora, mas que me aterrorizava profundamente.

Levantei-me e liguei a luz do quarto. Não havia ninguém ali.

***

– Você passou à noite com a luz ligada. O que houve?

– A senhora não dormiu bem?

– Não. Acordei com um barulho de porta abrindo, mas não tive coragem de sair da minha cama.

Preferi não comentar com ela o que tinha acontecido. Achei que poderia piorar o medo que ela já sentia.

***

A tarde estava acabando e tudo indicava que a noite seria tranquila. Mas quando o rádio começou a tocar a Ave Maria, surgiu um chiado muito alto, como uma estação fora de área, e, em seguida, desligou. Mais tarde, às oito horas da noite, todas as luzes piscaram freneticamente. Depois disso, nada mais aconteceu... Assim foi durante uma semana inteira. Sempre os mesmos horários. Sempre a mesma coisa...

***

Um dia, quando acordei, pela manhã, minha boca estava seca, minha cabeça e meu corpo doíam muito.

Desci para a cozinha para tomar café e minha mãe olhou-me fixamente.

– Você está bem? Lembra do que aconteceu ontem?

– Como assim? O que aconteceu de especial ontem que eu deveria me lembrar?

– Troque de roupa. Vamos a igreja.

Apesar de achar estranho, nada questionei.

Terminei meu café, subi para meu quarto e troquei de roupa. Em seguida, saímos para a igreja do bairro.

Quando chegamos lá, estava acabando a missa das dez horas. Ao nos ver, o padre acenou com a cabeça. Acho que minha mãe já tinha entrado em contato com ele, anteriormente, naquele dia.

Ele caminhou até nós, depois de conseguir desviar-se de várias beatas e outras pessoas que o abordavam.

– Olá, minhas filhas. Como se sentem no dia de hoje? – Ele falou com uma voz amigável, tentando disfarçar algo talvez...

– Podemos conversar, padre? – Disse minha mãe.

– Claro, vamos ao meu escritório. – Ele nos disse indicando o caminho e tocando em meu ombro como que indicando para eu ir na frente. Estranhei seu toque... Era como se meu ombro ardesse onde ele havia tocado...

Entramos em seu escritório, uma sala pequena adornada com cruzes, imagens, Bíblias abertas, uma única mesa central e três cadeiras.

– Sentem-se, por favor. – Disse o padre indicando as cadeiras. – A senhora me ligou mais cedo sobre um acontecido na noite de ontem.

– Sim, padre. Eu lhe liguei porque ontem à noite, por volta das três horas da madrugada, eu acordei com um sentimento ruim... Quase que imediatamente ouvi um som de algo batendo e que vinha do quarto da minha filha. Levantei-me e fui até o quarto dela para ver como estava. Quando cheguei lá a porta estava trancada. Chamei-a e ela não me respondeu... Eu continuava ouvindo o barulho.... Chamei-a, novamente, e o som parou... Tentei abrir a porta e, agora, ela abriu facilmente. Quando entrei, tudo estava escuro. Estiquei o braço para alcançar o interruptor e acender a luz. Assim que o fiz, algo se moveu rapidamente... Não pude ver o que era, mas Cláudia não estava em sua cama. – Ela falou olhando para mim com os olhos cheios de lagrimas. – Foi então que ouvi um rosnado baixo, muito suave... E como não via nada, em canto nenhum do quarto, olhei para cima... E lá estava... – Sua voz travou, ela respirou fundo e continuou. – Era a minha Cláudia... Grudada no teto... Descabelada... Retorcida... Chamei-a calmamente, tentando não demonstrar medo. Mas quando ela me olhou, passando a cabeça por sobre os ombros e girando os braços e o tronco para ficar de frente para mim, pude ver seu rosto deformado. Seus olhos eram bolas profundas e tinham fendas, parecendo olhos de cobra, só que vermelhos...

– Você se lembra de alguma coisa, filha?

– Não. Lembro-me de terminar de estudar, deligar minhas luzes e ir dormir. Acordei hoje de manhã, normalmente.

– Não sente dor? Em nenhuma parte do corpo?

– Não. Estou bem. – Para que comentar que meu corpo estava moído...

– Então, o que vocês acham de eu passar algumas noites na casa de vocês? Assim, caso algo aconteça, eu estarei por lá para ajudar. Peço que me permitam levar um colega meu, também padre. Vocês já o conhecem, ele estava comigo no dia que levei uma equipe de oração.

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