O jogo
Corre... Corre... Corre...
– Cláudia... – Disse um sussurro próximo a mim.
Uma mão apertou meu braço, me forçando a parar. Meu corpo foi girado abruptamente. Lá estavam aqueles olhos, fixos nos meus.
– Cláudia. – Repetiu ele.
Nesse momento, senti uma forte pressão na parte baixa da barriga. Um calor desceu por minhas pernas e uma pontada aguda paralisou-me de dor...
***
Acordei sem fôlego. A dor permanecia. Ergui o lençol e lá estava... Meu sangue quente, em uma roda, entre minhas pernas.
– Droga! Me esqueci completamente. – Pensei enquanto me levantava.
***
Dias depois, quando cheguei em casa, após a aula, minha mãe esperava-me sentada em sua poltrona favorita, na sala.
– Cláudia, você lembra do dia em que nos mudamos para esta casa? Você descobriu que havia um sótão e foi lá que você encontrou aquele jogo.
– Lembro.
– Temos que conversar sobre o que dizem dele...
– Sei o que dizem. – Interrompi. – Mas é apenas um jogo.
– Também pensava assim, até encontrar um desenho em baixo da sua cama. Venha.
Nos subimos as escadas e andamos pelo corredor até meu quarto... Ela abriu a porta e pediu para que eu me abaixasse perto da cama. Não vi nada diferente.
– Semana passada, estava tentando colocar ordem na sua bagunça, quando percebi a borda de um desenho em baixo da cama. Resolvi retirar a cama do lugar e ver o que era.
Ela acenou-me e nós movemos a cama, com dificuldade, para o lado.
Não conseguia acreditar. Quando ela falou, pensei que estivesse brincando. Mas eu também vi. Discreto e pintado em preto, havia um pentagrama sob minha cama. Ela sentou-se e eu estava extasiada demais para fazer ou falar algo.
– Noite passada, – ela começou a falar – perdi o sono durante a madrugada e decidi ir até a cozinha para beber água. Quando sai de meu quarto, vi as luzes da sala e do corredor piscarem. Eu tinha certeza de que as havia apagado antes de me deitar. Olhei para o seu quarto. Sua porta estava fechada. Abri-a e te vi dormindo tranquilamente. Resolvi descer e ver o que estava causando aquilo. Quando cheguei à metade da escada, um zumbido invadiu meus ouvidos e fiquei tonta. Parei alguns minutos onde estava e fiquei de olhos fechados. O zumbido foi diminuindo, mas então senti um vento frio subindo pelas escadas. As janelas estavam fechadas. Eu as havia trancado. Tentei me equilibrar novamente e continuei a descer as escadas. Olhei para a sala, estava tudo escuro. Dirigi-me para acender as luzes e algo me acertou na nuca. Creio que desmaiei no sofá. Quando acordei, sentindo dor de cabeça por causa da pancada, demorei um pouco para lembrar o que tinha acontecido. Assim que me recordei, subi correndo para ver se você estava bem. Você ainda dormia calmamente. Olhei o relógio, eram cinco da manhã... Procurei pela casa durante todo o dia e não senti falta de nada. Lembrei-me do alarme, mas no sistema não havia registro de que ele houvesse disparado ou tivesse sido desarmado durante a noite. Imediatamente associei o que aconteceu ao desenho. Minha cabeça volta a latejar toda vez que penso nisso...
***
Dias se passaram e sempre que perguntava, minha mãe tinha algo novo para contar. Estava começando a achar que ela estava enlouquecendo. A maneira como meu pai havia morrido anos antes. Tudo o que ela teve que enfrentar. A força que ela teve que demonstrar... A mudança, a adaptação ao novo trabalho, a nova cidade... Isso poderia se tornar enlouquecedor... Ela não podia estar falando sério... Eu não iria acreditar, assim, do nada, em histórias de fantasmas e nessas coisas sobrenaturais. Se fosse verdade, haveriam provas... O desenho sob minha cama é algo tão comum hoje... E meus primos adoram dizer que sou uma bruxa... Pode ter sido uma brincadeira deles... Eu também teria visto ou ouvido algo, mas não, foi apenas ela...
Cheguei a pedir que ela fosse a um médico ou, até, a uma igreja. Que conversasse com mais alguém... Alguém que iluminasse de novo suas ideias e mostrasse o quão incongruente ela estava sendo.
De tanto insistir, ela resolveu ir à igreja do bairro. E, imaginem como eu me surpreendi, o padre resolveu visitar a nossa casa para ver o desenho do pentagrama. Eu queria que alguém conversasse com ela e não que acreditasse e “desse corda” às ideias lunáticas que ela estava tendo...
Ele chegou a nossa casa com sua cruz, a Bíblia e água benta. E com as indicações de minha mãe, ele começou a benzer cada cômodo da casa. No fim, quando já tinha terminado tudo, sentou-se na sala e me chamou para conversar.
– Sua mãe me falou sobre um jogo. Você a credita que essa tábua com a qual você brincou tem algum poder? Ou pode despertar alguém que tenha algum poder?
– Não acredito nessas coisas.
– Você já ouviu falar em demônios, minha filha?
– Sim. E acho que são invenções para fazer as crianças obedecerem aos dogmas religiosos e aos seus pais.
– Você é católica, filha?
– Não.
– Você é batizada?
– Sim.
– E o que a fez se afastar do caminho da fé?
– Vocês e suas histórias me dão nojo.
Nesse momento, ele sorriu, levantou-se e saiu. Ouvi sua voz dizendo à porta:
– Senhora, perdoe-me dizer isso dessa maneira, mas sua filha está espiritualmente frágil e isso facilita a ação dos espíritos malignos. Talvez ela esteja possuída.
– Não creio, padre. Minha filha pode ser rebelde quanto à fé, mas qual adolescente, hoje, não é? Agradeço sua presença aqui e tudo o que o senhor fez para acabar com o que quer que seja que há aqui, mas minha filha não está possuída.
Nada aconteceu àquela noite, nem nos dois meses seguintes. Foi então que tudo mudou...
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